Wednesday, September 22, 2004

12. Efeméride – "O começo do Outono"


Tem hoje início o Outono, estação do ano que precede o Inverno.

Segundo os etimologistas, em sentido figurado, significa igualmente "decadência".

Discordo. Não da etimologia, mas da prática de vida. Frontal e energicamente, muito embora eu próprio tenha transposto já o umbral da entrada que, tão convencionalmente como sem qualquer indispensável
aggiornamento, nos leva ao ghetto dos já não capazes, sem préstimo, inúteis.

Trata-se de um tremendo engano – quantas vezes autêntico embuste, despudorada injustiça – esse de se incutir a ideia de que o Outono, meteorológico, como o da vida de um ser humano, constituir uma estação de antecâmara do fim. Apenas os ignaros, sem experiência de vida, mas convictos das suas ridículas, por inexperientes, verdades únicas, podem cair no logro de tal lugar comum que, como a generalidade dos lugares comuns, não passa de balela sem consistência. Frase feita, cliché sem fundamento inteligente.

Fiquem sabendo, quantos por aí dessa forma abstrusa e orfã de senso pensam, que o Outono – do ano ou da vida – constitui uma das mais belas, activas e produtivas fases por que passam os seres humanos.

É no Outono do ano que a vida activa – realmente activa – em cada ano e sempre recomeça. É o retorno ao trabalho, aos estudos, à preparação para os rigores invernais, a época das grandes novidades artísticas e de empreendimentos vários, o despertar da letargia do Verão, da improdutividade estival, o retomar de projectos parados, antes prostrados pela canícula.

É no Outono da vida que, em certo sentido, também há um novo alento. É a oportunidade para, liberto de preocupações mais imediatas e pressionantes, o Homem se dedicar, enfim, à sua verdadeira dimensão, a de criador – como dizia Agostinho da Silva, o Homem não nasceu para trabalhar, antes para criar –, sua missão primeira nesta passagem terrena.

E se o Outono anual é, em simultâneo, a estação produtiva por excelência e a singularmente mais calma e retemperadora, o da vida, sendo-o igualmente, tem ainda, sobre as restantes, a vantagem de poder recuar na memória e avançar na antecipação do futuro. A primeira oferece-lhe a experiência que o previne contra escolhos que antes não previra; a segunda dá-lhe a certeza de que, havendo muito caminho ainda a percorrer, há igualmente fortes possibilidades de esse percurso revestir formas e andamentos nunca antes possíveis na procura e obtenção de realização pessoal.

É isso, os outonos – do ano e da vida – são as melhores fases da vivência humana.

A menos que, inopinada e absurdamente, numa qualquer TV, feita de imediatismos incongruentes, um qualquer imberbe, convicto de que tudo sabe e nada mais precisa de aprender, resolva, de forma canhestra e sem vestígios de mínima preocupação social, propale aos ventos hertzianos, como se notícia de relevante interesse público constituísse:

- Esta tarde, na Avenida da República, em Lisboa, um idoso de 62 anos, foi atropelado por
uma viatura, tendo dado entrada na urgência de S. José.

Sabe que mais? Idoso de 62 anos era a avó torta dele. E será ele também, quando lá chegar. E daí... Idoso já ele é. Apenas lhe faltam os anos. E a consequente sabedoria de vida.

Ruvasa