Tuesday, September 14, 2004

3. Textos d'ontem - "Tolerância-a não desprezar"

Crónica de rádio – 03 Dez 1985

Tolerância - qualidade a não desprezar

O ritmo de vida da sociedade actual, para o qual decididamente não estávamos preparados, provoca-nos, quantas vezes, situações que, de modo nenhum, estariam nos nossos propósitos.

Vivemos numa sociedade cheia de tensões, todas elas resultantes da nossa incapacidade de dominar os acontecimentos. Há que reconhecer – sem esforço, aliás – que o Homem deixou de poder dispor de si e do seu tempo, vendo-se, cada vez mais, enredado numa teia que frequentemente lhe tolhe o discernimento e o leva a tomar atitudes que, em estado normal, jamais assumiria.

Quantas vezes, caro ouvinte, não se viu já metido em situações conflituosas – por vezes graves e sem saída – por motivos que, mais tarde e depois de reflexão calma, concluiu serem absolutamente fúteis, de modo nenhum justificando os dissabores por que passou?

Quem isto lhe diz, sem relutância confessa que já passou por alguns bem desagradáveis momentos desses, mais vezes até do que gostaria e deles não recorda ter retirado algo que não desgostos e amargos de boca.

E tudo porquê? Apenas porque, no momento certo, falta sabedoria que nos leve a parar um instante e a decidir tolerância para com o próximo.

Trata-se de uma questão complexa e que se embrenha muito no íntimo de cada qual. Uma questão de personalidade. Mas é bom não esquecer que a personalidade também se molda. É indispensável que se molde.

É sabida a dificuldade de ser-se tolerante. Quantas e quantias vezes a paciência justificadamente se nos esgota! Mas bom seria que tentássemos sempre precavermo-nos contra a intolerância que nos avassala. É que, se o não fizermos, um dia destes não será possível vivermos em comunidade. Cada vez mais seremos pequenos mundos fechados, eriçados de espinhos de que ninguém se atreverá a aproximar-se, no justificado receio de sair maltratado.

Não defendo a tolerância a todo o preço. Não, não é disso que se trata. Há limites para tudo. Até Jesus Cristo – a Tolerância Suprema – não se conteve e expulsou os vendilhões do Templo. Não Lhe era possível permitir situação tão degradante.

Há momentos em que, na verdade, não podemos transigir, não podemos assumir atitude de tolerância. Mas quantas vezes, podendo-o, o esquecemos?

Vamos, pois, tentar adquirir – ou readquirir – um pouco dessa característica tão esquecida? Vamos tentar melhorar o mundo em que vivemos?

Se o nosso patrão embirra connosco, com ou sem razão, se o nosso empregado não é tão diligente quanto achamos que deveria ser, se a nossa mulher ou o nosso marido não mostram por nós a compreensão a que nos julgamos com direito, se o automobilista, que deverá parar na passadeira para deixar que o peão atravesse a rua, não o faz, ou este não a atravessa com a presteza conveniente, se o nosso adversário político, nos ataques que contra nós desfere, vai além do que lhe é lícito, e em tantas outras ocasiões, por que não experimentarmos um pouco de tolerância para com eles?

Quem sabe se as faltas que cometem não resultam de dificuldades com que se debatam?

Bom dia!

Ruben Valle Santos