Thursday, September 16, 2004

5. Textos d'ontem - "Parabéns, Setúbal!"

Crónica de rádio – 17 Dez 1985

PARABÉNS, SETÚBAL!

Olá, bom dia, amigo ouvinte!

A crónica de hoje quase poderia ser umas das habituais de Natal.

A época é a própria, a disposição do cronista nesse sentido acentuada, estou em crer que o ouvinte não seria indiferente ao tema e o assunto de que seguidamente tratarei tem, ainda que possa não parecer, muito que o ligue à ideia que a generalidade das pessoas faz do Natal.

Não é verdade que Natal é sinónimo de tréguas, de paz, de concórdia? Ou devia ser, pelo menos?

Pois bem, falemos um pouco de tréguas, falemos um pouco de paz, falemos um pouco de concórdia.

No mundo conturbado em que nos movemos, o que se torna assustador é que o Homem, que deveria estar predisposto preferencialmente para o exercício do Bem, do que é justo, em ordem ao convívio harmonioso com o seu semelhante, tende excessivamente para o oposto.

Em condições normais, se houver que, com ganhos semelhantes, optar pelo Bem ou pelo Mal, cai quase exclusivamente nos domínios deste último. A natureza humana?

É um jogo em que entram o orgulho, o egocentrismo exacerbado, a ânsia de melhor afirmação pessoal, nem que, para isso, haja que calcar aos pés o incómodo semelhante.

É-lhe impossível reconhecer que o adversário detém, não toda, mas, ao menos, alguma da razão que para si próprio reivindica em exclusividade.

Trata-se de um jogo em que a humildade não consegue mínimo estatuto.

Daí as divergências, as querelas, os desentendimentos sem remédio, os conflitos armados. Daí tanto sofrimento evitável, tantas lágrimas vertidas, tantas vidas perdidas.

Dos três conceitos que deixo referidos, sabe-se que o de mais difícil concretização é o da concórdia. Tentemos, pois, ser realistas e deixemo-lo um pouco de lado, já que se se obtiver, no todo ou em parte, um pouco de tréguas, com uma pitada de paz, já poderemos dar-nos por felizes e realizados. Nos tempos que correm…

Vem isto a propósito da campanha eleitoral que há pouco teve lugar, quando da eleição dos órgãos autárquicos. Claro que não houve concórdia. E como consegui-la? Mas houve, isso sim e felizmente, tréguas e – por que não dizê-lo? – paz. O que em Setúbal é obra de monta!

Cabe aqui a confissão dos meus receios de que, durante a campanha, surgissem casos que todos devêssemos lamentar, não só pelos prejuízos, materiais e humanos, que poderiam causar, como pela falta de civismo que revelariam e que, em situações semelhantes em ocasiões anteriores, não deixaram de verificar-se.

É, pois, com todo o gosto que deixo aqui registado o clima de serenidade em que decorreram todos os actos conducentes à eleição dos novos autarcas setubalenses, por parte de todas as forças políticas envolvidas. Este facto não podia deixar de ser assinalado. Repito: em Setúbal é obra de monta!

É sinónimo de maturidade cívica que deve ser inscrito no livro branco da nossa vida em comum. Dá-nos a certeza de que estamos no bom caminho e de que a sociedade por que ansiamos não é tão utópica como poderíamos ser levados a crer.

Por tudo isto, é possível hoje dizer-se que estamos, nós, setubalenses, de parabéns. Tanto os que se consideram vencedores, com os que assim não são reconhecidos.

É isso: Parabéns, Setúbal!

Ruben Valle Santos