Sunday, April 23, 2006

37. A petição ( I )

Resposta a Pedro Roque e Fernando...

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Pedro Roque, meu confrade social-democrata de Almada, detentor do blog Revolução Tranquila, e Fernando, “bloquista” de Viana do Castelo, responsável pelo blog A hora que há-de vir, conferiram-me a distinção de comentarem neste meu blog a entrada Petição.
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Em resumo e substância, disseram:
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Pedro Roque

1. Há na petição um grave equívoco, já que se peticiona que presidente da república e primeiro ministro admoestem deputados, verdadeira aberração (o termo é meu), já que todos fazem parte de órgãos de soberania, com igual hierarquia;

2. É perigosa “esta” (aspas nossas) cruzada anti-parlamentar, já que o parlamento constitui a essência da democracia em que queremos viver e a alternativa é um sujeito de bigode, autoritário, que eliminará todas as vozes discordantes;

3. Não se confunda (nós, os que assinamos a petição e estamos enfronhados na tal cruzada anti-parlamentar) a nuvem com Juno.

Fernando

1. Embora ache lamentável e inadmissivel a ausência de deputados que registaram a presença e se pisgaram, entende indecente que se baralhe a opinião pública com ataques desabridos "a todos os deputados";

2. Que é isso mesmo (a baralhação da opinião pública) que pretende a direita populista, com o intuito de desprestigiar a democracia;

3. A democracia representativa – de que é adepto – estará muito necessitada de aperfeiçoamento, mas não é de fora que as coisas se resolvem e com “bocas” (terminologia do comentário);

4. Bota-abaixismo é que não, de forma nenhuma e que não se misture tudo, por favor.

A minha resposta para ambos

Cumpre-me começar por agradecer os cordatos comentários de ambos. Não apenas pelo respectivo valor intrínseco, como também porque me proporcionam excelente oportunidade para elencar algumas das razões que me levam a um desgosto profundo pela situação em que as coisas estão em Portugal, cujas responsabilidades atribuo, não apenas, é certo, mas em esmagadora percentagem, ao poder político, aos diversos poderes políticos que até à situação presente nos têm desgovernado – excepção feita a curtos períodos de esperança, infelizmente logo desenganada – e trazem amarrados a vil tristeza milhões de portugueses cujo único anseio será o de ter o “direito” de viver um pouco melhor, anseio que não parece desmedido nem intransigente se tivermos em conta o que se passa com países que, ainda há poucos anos atrás, estavam em pior situação do que nós e já nos ultrapassaram para, pelos vistos, nunca mais por nós serem alcançados.

Essas minhas razões serão apresentadas à medida que a resposta a ambos for transcorrendo.

Vamos, pois, apreciar:
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Pedro Roque

Concordo consigo, caro Pedro Roque, quando refere o equívoco que enforma a petição. Na verdade, não é possível que presidente da república e primeiro-ministro, ambos titulares de órgãos de soberania, admoestem titulares de outro órgão de soberania, como são os deputados. E menos ainda consideraremos a possibilidade de tal admoestação se tivermos em conta que os deputados são detentores de um mandato de representação política obtido em sufrágio popular, directo e universal.

Outro tanto, porém, não direi dos políticos, secretários-gerais ou presidentes dos partidos em questão que, esses, sim, têm o indeclinável dever de o fazer.
Poderiam, talvez da tarefa ser isentados se o sistema eleitoral fosse outro, que, por exemplo, contemplasse a existência de mandatos por círculos uninominais. Nesta circunstância, claro que os deputados seriam mais responsabilizados perante o eleitorado do que como acontece com o sistema actual que, como é bem sabido, dilui de forma abstrusa, a responsabilidade do deputado na do partido, a quem o deputado deve total obediência se quiser manter o lugarzinho que tem.
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Claro que a responsabilidade individual do deputado não se dilui por completo na da estrutura partidária, mas a situação presta-se a inúmeros equívocos e sabe-se como é uso esgrimir-se tal “dificuldade” – a lealdade e obediência aos ditames dos senhores que comandam o partido… – para se fugir à seringa, digamos assim. Já todos demos para esse peditório e cada vez temos menos vontade de dar porque é bem verdade que até os mais destituídos de inteligência, lá acabam por aprender alguma coisa, quando muito apertados no torno de interesses que não são os da comunidade.

E quanto à necessidade de, cega e acriticamente, ter de se obedecer aos ditames partidocráticos, sob pena das mais duras penas e autoritarismos, apenas lhe digo que, pessoalmente, muito aprendi – com outros, aliás – acerca do assunto, em 1989, reinava então Aníbal Cavaco Silva, no país por si próprio, e no partido, por interposto Manuel Dias Loureiro.

Creio que, quanto a esta parte, estamos entendidos, não concorda?

Tenho que dizer-lhe, com toda a abertura de espírito, que, não sendo o autor da petição, se o tivesse sido ela apresentaria outro tipo de formulação e redacção. Para ser completamente sincero, dir-lhe-ei mesmo que entendo haver, na sua formulação actual, algo de naïf que dificilmente compagina com o que efectivamente se pretende e igualmente com a postura que se quer evidenciar.

No entanto, talvez que esse defeito lhe confira maior autenticidade, a autenticidade das coisas simples, espontâneas, resultantes muito mais da sincera e justa indignação de quem lhe redige os termos, do que uma explanação mais elaborada, talvez alicerçada em interesses políticos escusos, menos sinceros e justos, por algo de menos próprio nos bastidores a sustentar. Trata-se de um ponto a favor da petição tal como se apresenta, pelos vistos não premeditada, e que deve ser ponderado por quem a pretenda denegrir.

Assim, caro confrade, embora a formulasse baseado em outros fundamentos e terminologia, não tive qualquer hesitação em a subscrever como está.

E fi-lo pelos motivos atrás expostos, mas também pelo grande mérito que ela revela, mérito que consiste em ter-se tido iniciativa em prol de algo em que se acredita e contra algo que se abjura, em vez de se ficar em casa ou nas tertúlias de café, a bramar contra tudo e todos, sem nada fazer, esperando que outros façam aquilo que nós, por comodismo suicidário, não queremos fazer.

Peço que me desculpe por discordar de si quanto àquilo que afirma tratar-se de uma cruzada anti-parlamentar. É que, segundo o meu ponto de vista, não existe qualquer cruzada. Não há razão para chamar papão onde o não há. O que existe, isso sim, é a vontade, cada vez mais generalizada, de agitar as águas, no sentido de obrigar a que algo se mude, para que não seja necessário que, mais dia menos dia, haja que proceder a mudança incomensuravelmente mais radical. É, mais do que uma pedrada no charco para agitar as águas paradas e podres, uma pedrada no charco para chamar à razão quem parece dela afastado e sem perspectiva e já nem sequer dá sinais de que tenta recuperá-la.

Diz-nos a História dos homens, que, se qualquer sociedade, posta perante sucessivos ataques à sua honorabilidade, à sua integridade moral, não reage, dia virá em que se verificará ser tarde demais e, para que as coisas tomem o rumo certo, haverá então que lançar mão de meios muito mais gravosos do que aqueles a que vamos assistindo. Ainda que fazendo uso de um exemplo um tanto forçado, permita-me que lhe relembre as cedências de Chamberlain e aquilo que, quase diria criminosamente, permitiram que viesse a acontecer. Não convém nada que sejamos avestruzes. Menos ainda idiotas chapados.

Não há, pois, meu caro confrade, qualquer cruzada anti-parlamentar. E, se alguém insistir que a há, talvez eu seja forçado a admiti-lo, isto é, que a há mesmo, mas partindo do seio dos próprios parlamentares. Como é isso? perguntar-me-á. Responderei que é impossível que haja maior cruzada anti-parlamentar do que a que resulta da circunstância de os deputados não cumprirem os deveres dos cargos em que estão investidos, com isso causando todo o mal estar conhecido. Daí é que tudo resulta, Amigo. É daí, por causa disso, que aparecem então os tais homenzinhos de bigode pequenino e apalhaçado e penteado ridículo, berrando desalmadamente.

Portanto, o melhor que temos a fazer, é cada qual assumir as respectivas responsabilidades. Se um deputado não cumpre o que lhe é legal e legitimamente exigido, quem é que estará em cruzada contra ele? Ele com a sua atitude irresponsável ou eu que o apostrofo precisamente por tal circunstância? Não iludamos as questões porque, fazendo-o, apenas estamos a iludir a nós próprios.
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Quanto a não tomarmos a nuvem por Juno, a frase continua, tantos anos após a sua inicial formulação, a ser literariamente interessante. No entanto, no caso presente, como em tantos outros, não será talvez aplicável.

É que, caro Pedro Roque, nesta circunstância a nuvem é mesmo Juno. E é-o porque ninguém no hemiciclo está isento de graves responsabilidades.

A saber:
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.Continua em A petição - resposta a Pedro Roque e Fernando (II)


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