Saturday, August 06, 2005

32. O país das óperas buffas

O território nacional é, de alto a baixo, devorado pelo monstro das chamas e diariamente assiste-se à horrível aflição de populações inteiras, que ficam sem bens, até sem abrigo, e ouvimos e vemos também referir que os meios aéreos não aparecem, nem quando insistentemente reclamados, para o combate ao fogo (ontem foi dia particularmente elucidativo neste aspecto e cabe perguntar ao ministro da administração interna de que serve haver mais meios do que nunca, se eles ficam parados, sem tugir nem bulir…).

Soube-se agora também que há um número indefinido de pilotos da Força Aérea que dispõe de formação adequada de combate a incêndios florestais, recebida e paga em Espanha.

Pois bem:

Soube-se igualmente que a maior proximidade a que esses pilotos têm estado dos incêndios assassinos é a que separa os sofás, em que se sentam confortavelmente, do televisor que lhes mostra as imagens de horror.

A acreditar nas notícias, alguns deles perderam até a autorização para voar, por terem estado “esbodegados” nos sofás demasiado do tempo em que deveriam ter estado aos comandos dos seus helicópteros.

Diz a Sic Notícias, com todas as palavras e acentuação devidas, que, contactado o ministério da administração interna sobre tão abstruso assunto, apenas respondeu que a pergunta deve ser endereçada ao ministério da defesa.

É isto, senhores! Lá andam “eles” às turras uns com os outros, enquanto o país arde e o primeiro ministro, no Quénia, afaga ou espingardeia leões às pallettes!!!

Em face desta verdadeira anomalia psíquica, quem é que consegue conter mais a revolta e não interpela directamente o responsável máximo por tudo isto?

- Sr. primeiro ministro!

Quererá dignar-se esclarecer-nos quanto às Altas Razões de Estado que o levaram a sair calmamente, de férias, para safaris no Quénia, como se em Portugal tudo estivesse calmo, ordeiro e sem problemas, quando, ao contrário, a sua presença aqui era mais do que necessária, para meter ordem na casa?

Então, estando o país a arder por todos os lados, o primeiro ministro vai de férias, a matar ou a afagar leõezinhos?!

Mas… que é isto? Será que, ao regressar, ainda haverá país para fingir que governa? Ou está a contar com os espanhóis, para que cá venham dar uma mãozinha e, já agora, tomem conta disto de vez?

Porque, caro senhor, esses não foram de férias. Não vão à procura de leõezinhos para abater ou ternamente afagar sempre e enquanto o país deles estiver em risco de desaparecer do mapa, sob um monte de escombros!!!

E que canhestra imitação de coordenação de ministérios é esta, em que cada um faz o que bem entende e ainda lhe sobra tempo, porque não tem um chefe que o meta na ordem, por andar ocupado a espreitar e a atirar a leõezinhos nas savanas do país de Jomo Keniata?

Afinal, que governo é este, com um primeiro ministro que foge dos problemas que tem que resolver?

Um primeiro ministro que foge?! Triste experiência! Já a tivemos antes. Para quê repetir a receita?

Foi para isto que os engodados e bem iludidos portugueses votaram em si, primeiro ministro?


Ora, faça o favor de, quando menos, pegar no raio de um telemóvel - triband já agora... e o mais levezinho para não se cansar muito... porque precisamos de si repousado e fresquinho... - e obrigar os ministros de Portugal a entenderem-se e a fazerem o que devem fazer, antes de que o país fique completamente reduzido a cinzas.

É para isso que está nesse lugar. Não para, em situações de aflição geral, fugir para o meio dos leõezinhos quenianos! Se não resiste a estar assim no meio de leõezinhos, porque não foge para o Alvalade XXI, que sempre é bem mais perto?

Sabe, esta, que o senhor e seus ministros estão a seguir, é que é o exemplo acabado da política de terra queimada!

Faça, pois, o mínimo dos mínimos do que lhe compete! Um simples telefonema, ao menos. Se for preciso, eu pago o raio da chamada!!!

Depois, volte lá a entreter-se com os leõezinhos, que a gente até fica feliz de o saber feliz a si. Pode mesmo ficar por aí, se lhe apetecer assim tanto. Garanto-lhe que conteremos as lágrimas de saudade. Não daremos espectáculos deprimentes, fique descansado!...

Porque, para assistir impassivelmente à morte moral de portugueses, por desgosto, de pungente aflição, de ataques cardíacos, de cansaço num combate inumano contra o fogo, vendo todos os seus haveres destruídos, nem é necessária muita coragem e há até por cá muita gente capaz de desempenhar o papel bem a contento.

Mas é, com toda a certeza, indispensável, isso sim, muita olímpica indiferença e algo mais - que neste momento me escuso a objectivar e adjectivar - para assistir a tudo isto e, mesmo assim, decidir ausentar-se para não faltar a leonino rendez-vous, seja com leões seja lá com que outras espécies de animais for.

Chega de abusar da nossa paciência! Não concorda, primeiro ministro?

Caro senhor! Se entende que fui muito rude e não o respeitei, desde já o esclareço que considero e respeito muito o cargo de primeiro ministro. Muito mesmo, pode crer. Espero ter sido claro o suficiente.

E, isto posto, faça o que melhor entender. Fui claro, uma vez mais?


Espero bem que sim, porque o que estamos a viver em Portugal, este ano mais ainda do que nos anteriores, é uma situação real de guerra de terrorismo. E o primeiro ministro desertou!!!

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PS.- Não contente com o facto de ter-se posto a milhas, numa altura de imensa crise, com o país completamente incendiado, o primeiro ministro deu-se mesmo ao luxo de fazer da sua saída para férias, fait divers de revista de jet set da Malveira, notícia de relevo, com a indicação dos resorts em que iria alojar-se e tudo.
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Se isto não é falta de respeito para com os milhares de concidadãos que sofrem, então o que é?
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