Sunday, March 19, 2006

36. XXVIII Congresso do PSD

A exemplo do que tem vindo a acontecer de há cerca de dois anos para cá, uma vez mais os órgãos dirigentes do Partido Social Democrata tomaram uma decisão sem cuidarem dos pormenores e efeitos decorrentes.

Sabe-se – já desde o tempo dos antigos romanos – que de minimis non curat praetor, mas o que é certo é que estes pretores têm falhanços demais e, assim sendo, aquela máxima já não pode ser usada como desculpa de mau pagador.

A instâncias da Comissão Política Nacional e de mais algumas outras entidades e individualidades do partido, lá se procedeu a intendência doméstica, mas muito ao jeito da dona de casa apressada e um tanto desleixada que, não tendo ali à mão, por descuido ou falta de prática, um recipiente para guardar o lixo, decide varrê-lo para debaixo da carpete.

Assim, o Congresso debruçou-se sobre e decidiu que:

* a eleição do presidente do PSD passe a ser feita, através de votação universal, secreta e directa, por todos os militantes do Partido, até dez dias antes da realização do Congresso;


* a eleição da Comissão Política Nacional continue a ser feita em Congresso;

* no Congresso não podem ser apresentadas moções de estratégia por quem não se proponha liderar o partido.

Desde logo se constata a existência de algumas disposições contraditórias e reveladoras da forma pouco cuidada, desleixada quiçá, com que se fez a negociação anterior à abertura do Congresso e mesmo no seu decurso. Mas não apenas a negociação; também e principalmente, toda a preparação do Congresso.

Que a eleição do Presidente seja feita por votação universal dos militantes do PSD, de acordo.

Tratava-se de uma exigência de há muito tempo, muitos anos mesmo. Para além disso, era requisito que a democraticidade do partido reclamava insistentemente, mas a que se ia fazendo orelhas moucas, mesmo sem cuidar da falta de legitimidade para se reclamar democraticidade no país, quando no partido se a protelava. Sabe-se, porém, a força de que dispõem o aparelho, as sinecuras contidas nas inerências, etc.

De qualquer modo, está feito. Tarde, mas feito.

Isto posto, fica de queixo caído qualquer observador externo e sem parti pris ao tomar conhecimento da disposição que continua a obrigar a eleição dos restantes membros da Comissão Política Nacional em Congresso.

É que fica-se sem perceber o que se quer ou que interesses pouco claros subjazem a tomada de posição tão abstrusa.

Vejamos:

Se o presidente do partido é eleito em votação universal, extra-Congresso e até dez dias antes da realização deste, onde está a lógica da eleição da restante equipa apenas no Congresso?

Das duas uma: ou o presidente, uma vez eleito, recolheu a confiança geral do partido e, deste modo, tem legitimidade para escolher a equipa com que quer trabalhar, sem ter que estar a sujeitar-se a pressões, quantas delas ilegítimas, ou não será nada disto e, então, a eleição directa do presidente não passa de uma fantochada, porque será um presidente eleito… para fazer o que outros, a posteriori e sem tal legitimidade, autorizem que faça.

Como ficou decidido, uma vez eleito, o presidente forma uma equipa e apresenta-a no Congresso que a aceita ou não. Se aceitar, tudo bem; e se não aceitar?

.....- terá que demitir-se?
ou
.....- que correr a alinhar outros nomes?

E, para isso, será obrigado a mendigar a bênção dos “chefes” das distritais? Mas, assim sendo, quem é que efectivamente mais ordena no partido? O povo social-democrata, por interposto e eleito presidente, ou aqueles que, em outros partidos, os social-democratas apelidam de "caciques" distritais?

Esta questão ninguém a veio esclarecer. O que se compreende. Não é minimamente “esclarecível”, em termos aceitáveis.

Há, pois, como à vista desarmada se vê, uma contradição, um insanável choque de legitimidades em que, no mínimo e logo à partida, surge um presidente claramente diminuído.

Depois, ficou igualmente determinado que só quem se proponha a presidente (portanto na eleição anterior ao congresso) terá a possibilidade de, em Congresso, apresentar moções de estratégia. O queixo do tal observador externo (ou interno) cai ainda mais, nesta altura.

Pois bem. Se, para ser eleito presidente, o então apenas candidato terá que fazer campanha eleitoral e, consequentemente, apresentar um programa de acção, também conhecido, em termos gerais, por plano estratégico, que o levará a ser eleito, por ter sido implicitamente aprovado pelos seus correligionários, ubi a justificação para a apresentação da moção de estratégia em Congresso?

E que acontecerá se a moção de estratégia for rejeitada? O presidente terá sido eleito, por que razão? Pelos seus lindos olhos azuis de engenheiro hidráulico? E o – então já – presidente é logo ali destituído do cargo ou tem ainda a faculdade de pedir desculpa pela interrupção e, garantindo que o probgrama seguirá dentro de momentos, correrá aos bastidores e pedirá ao militante mais operativo que por ali ande que lhe empreste a sua própria moção, para que a apresente ao Congresso e assim salve a honra do convento?

E cabe agora perguntar também:

* para que serviu a eleição directa do presidente?

...
* para que serve o congresso a posteriori?

Nada disto o povoléu cá de fora percebeu como se processará, porque nada disto os conscripti patres social-democratas esclareceram, desconfiando-se mesmo que o não fizeram apenas porque… nenhum deles, a começar pelo actual presidente, sabe como efectivamente vai ser. Terá sido por ainda não terem recebido instruções mais precisas da Travessa do Possolo, ali à Estrela?

Assim se prepara um Congresso no Partido Social Democrata português, dito sob a liderança de Luís Marques Mendes. No ano da graça de 2006, 32 anos após a instauração da soi-disant democracia que temos.

* * *

Resta, porém e ainda, saber:

* depois destas alterações, para que servirão de futuro, os Congressos do Partido Social Democrata?

* e será que se justifica que continuem a designar-se “congresso”?

Vejamos ainda e uma vez mais:

Nos congressos do partido,

- elegia-se o presidente

- com ele a Comissão Política Nacional e os outros órgãos, designadamente a Mesa do próprio Congresso, o Conselho Nacional, órgão máximo do partido entre congressos, e o Conselho de Jurisdição Nacional.

- discutia-se e aprovava-se a estratégia que o partido iria seguir até ao congresso seguinte

Ora, para além de o presidente deixar de ser eleito em congresso, mas antes dele, e, como se viu, parecendo ser ideia assombrada a da eleição da restante equipa da CPN em congresso e não ser possível discutir moções de estratégia em plenário congressional, uma vez que a intenção estratégica apresentada pelo presidente eleito terá já, ao menos implicitamente, sido acolhida pelo partido, quando elegeu o presidente, que resta ao Congresso para discutir e deliberar? Nada. Rien de rien, tout simplement.

Então, para quê a realização de congressos? É evidente que hão-de passar a ser inevitáveis inutilidades. Em, termos jurídicos, constituirão inutilidades supervienientes.

Sim, claro que ainda lhe fica a capacidade de eleger a Mesa do Congresso, o Conselho Nacional e o órgão de jurisdição disciplinar. Mas, justificar-se-á a realização de congresso para tais fins?

A Mesa do Congresso deixa de ter sentido, se deixar de existir o Congresso - e este já se viu que para nada serve... -, pelo que é fácil de resolver esta questão. O Conselho Nacional e o Conselho de Jurisdição bem podem também ser eleitos directamente pelo universo dos militantes, na mesma altura. Assim como assim, os custos serão os mesmos e a democraticidade ainda mais evidente. Manda a lógica, pois, que se acabe com o Congresso. Nos moldes em que fica, ninguém lhe notará a falta e sempre serão uns bons milhares de euros que o partido poupará.

No caso de se persistir no contraditório e absurdo da manutenção do Congresso, justificar-se-á a actual designação? Se nada de relevante discutirá e decidirá, para que interesse realmente servirá, para além de mera e sazonal reunião de amigos, por vezes desavindos, por que não começar a chamar-lhe convenção, ou mesmo, mais de acordo com as realidades, encontro social de militantes do PSD ou algo que o valha?

The last but not the least:

Numa altura em que o país se debate com dificuldades cada vez maiores, em que José Sócrates and friends campeiam por aí a seu bel-prazer, arrogante e autoritariamente, como se em coutada privada, reúne-se o Congresso do Partido Social Democrata e o que, atónitos, constatamos é que os seus dirigentes e representantes se limitam a debruçar-se sobre os respectivos umbigos e acerca dele deliberarem – mal e sobre o joelho, que “o almoço está à espera e nós não temos vida para isto...”!

Nem uma palavra de esperança em dias melhores, nem um propósito de obrigar o governo a entrar na linha, nem uma intenção de criar condições para que os portugueses acreditem em si próprios e no país, mobilizando-se para a saída da profunda crise em que estamos mergulhados por incompetência política geral e outros motivos ainda menos honrosos.

Nem um bilhete postal de intenções para a sequência imediata ou de médio ou longo prazo da política nacional, quanto mais uma simples carta!...

Nestes termos, como é possível que alguém, no pleno uso das faculdades mentais e não tolhido por “clubite” menorizante, possa pretender que o eleitorado português, os portugueses no seu geral, sejam levados a acreditar nas virtualidades do actual Partido Social Democrata?

Quando é que o partido despertará do sono letárgico em que o afundaram e o mantêm acorrentado, por incapacidade de uns e indisponibilidade, mental e de vontade, de outros?

At last, agora sim:

Patética, verdadeiramente patética, a tentativa de Luís Marques Mendes de puxar para o PSD e para si próprio uma vitória presidencial que o actual inquilino de Belém se recusou a partilhar com o partido, tendo proibido mesmo os seus dirigentes de participarem em acções de campanha. Patética realmente. E sintomática do pé em que as coisas estão...