23. Limitação dos mandatos políticos – mito a destruir
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O Prof. David Justino, que não me canso de ler, aborda, no 4R-Quarta República, a questão da limitação dos mandatos políticos. Trata-se de assunto que me suscita grande interesse, porque muito sobre o assunto se tem dito, a maior parte das vezes, sem os cuidados e clareza necessários. Que não é o caso de D. Justino, diga-se em abono da verdade.
Estive para lhe responder lá mesmo. Atendendo, porém, a que se trata de comentário extenso, entendi por bem trazê-lo para os meus domínios, assim não abusando da paciência com que ali tenho sido acolhido. Não evitarei, contudo, a referência ao inspirador deste post nem deixarei de nele inserir o link adequado e necessário. Cortesias a que se obriga quem vive em sociedade e assim gosta de continuar.
A limitação dos mandatos políticos parece-me – sem pretender melindrar seja quem for, questão verdadeiramente bizantina. Sou radicalmente contra a sua mera enunciação.
O argumento do caciquismo e da corrupção são, quanto a mim, ambos falaciosos, apenas servindo para deitar poeira nos olhos dos incautos… mas apenas dos mais incautos.
Na maior parte dos casos em que se argumenta nesse sentido, faz-se por mera e circunstancial demagogia. Quando, por qualquer motivo – fútil quase de certeza - deixar de ser agradável aos ouvidos de muitos cidadãos incautos e pouco informados ou menos habituados a ler nas entrelinhas, ninguém mais cuidará do assunto, se preocupará em desalojar, por meios coercivo-administrativos quem os eleitores querem que no poder permaneça, seja porque faz trabalho que agrada, seja porque tens olhos azuis ou é engenheiro hidráulico.
Sou da opinião de que, uma vez instalado na cadeira do poder – qualquer que ele seja – um cidadão só de lá deve ser apeado por vontade própria - sem mais ademanes - ou alheia, do eleitorado, desde que expressa, manifestada em votação regular e sem a mácula da batota. Tudo o que não se contenha dentro desta baliza, deixa de corresponder ao espírito democrático que todos dizemos prosseguir.
Mais: nem com a limitação - que actualmente se verifica – dos mandatos presidenciais posso estar de acordo. E sou mesmo a supor que estará comigo, quem tenha vindo a prestar boa atenção aos desempenhos presidenciais dos vários titulares que já pelo cargo passaram. Porque, certamente, terá visto esta coisa singular e perversa – hipócrita mesmo (há que não recear chamar os bois pelos nomes) – de assistir a um primeiro mandato muito cordato e a um segundo completamente desestabilizador e com tendências verdadeiramente assassinas.
Ora, esta situação subverte por completo tudo quanto as boas e piedosas almas constituintes quiseram prevenir.
O que temos visto, invariavelmente visto, com expressão máxima no ex-presidente Soares e boa acentuação no actual, Sampaio, mais não tem sido do que a versão de cada um de uma mesma teoria político-circunstancial de benefício dos correlegionários de cada um. Esta é a verdade nua e crua e tentar tapá-la com o manto diáfano da fantasia, de bacoca fantasia não passa.
Tal como Mário Soares, Jorge Sampaio teve um primeiro mandato cordato, abrangente, que a todos – ou quase – quis satisfazer e foi satisfazendo; tal como Mário Soares, Jorge Sampaio teve um segundo mandato em que desfez tudo quanto antes construíra. Tudo sob forte premeditação.
Cabe, então, perguntar:
- Quando é que um e outro foram verdadeiros, eles próprios, defendendo os interesses gerais do país e não os particulares, da sua facção política?
- E quando é que, por contraposição, optaram pela hipocrisia política, para agradarem a todos, desagradando o menos possível, com os olhos postos na renovação do mandato?
Mais ainda:
- Quando é que o País beneficiou do seu comportamento político-presidencial e quando é que foi altamente prejudicado, num caso e noutro, por terem sido privilegiados os interesses particulares, de facção, e não os gerais, do País?
E não se pense que escrevo isto, estribado na circunstância de se tratar de dois políticos que não são da minha cor. Não. Solenemente o afirmo aqui, para que fique registado, que estou plenamente convicto de que, no caso de Cavaco Silva vir a ser eleito PR, com ele as coisas seguirão por caminho semelhante.
E estou mesmo em crer que tudo será ainda pior, uma vez que entendo que Cavaco, economista que é, primeiro-ministro que foi, político de excepção que ainda se julga, não resistirá à tentação de, de forma continuada, interferir directamente nos aspectos económicos da governação, atrevimento que Soares nesse âmbito não teve, mas apenas porque em Economia e estudo de dossiers sabe-se como as coisas funcionavam…
O que acima fica referido não se passaria, por certo, se não houvesse a tal limitação de mandatos. O titular do cargo na Presidência da República, já não ameaçado de sair no final do segundo mandato, não se sentiria tentado a dificultar a vida ao executivo, por receio de que o eleitorado lhe dificultasse a dele próprio.
Ora, se o que se pretende é melhorar a qualidade da democracia portuguesa, julgo que a medida a tomar não passa pela limitação de qualquer mandato, que isso, no limite, é pura autocracia legal, mas, sim, pela melhoria das condições de remuneração – e não apenas essas – dos diversos titulares de cargos políticos.
É que a qualidade dos pretendentes tem vindo a baixar porque – sejamos claros e, acima de tudo, realistas! – qualquer quadro médio de empresa privada média aufere maior vencimento e mordomias do que um titular de cargo político a qualquer nível, incluindo o Presidente da República.
Nestas condições, não é de causar qualquer tipo de espanto que os melhores - por mais preparados - de entre os portugueses, fujam dos corredores políticos a sete pés, não querendo assumir responsabilidades que não são devidamente recompensadas nem misturar-se com gente que, nada mais sabendo fazer, envereda por uma carreira política, por ter a nítida percepção de que, não dispondo de qualquer experiência de vida concreta - empresarial ou outra - jamais vingaria “cá fora”. E assim se vai deteriorando a classe política e a vida política, o país político que temos, a comunidade portuguesa acantonada no rectângulo e regiões autónomas. Com algumas excepções, apenas confirmativas da regra.
Não é, como bem sabemos, verdade que até mesmo a chefe de governo chegaram pessoas que jamais exerceram uma profissão? Jamais pagaram um salário? Jamais estudaram um relatório e contas, de empresa, por mais modesta que fosse? Jamais olharam um livro “Razão”? Que espécie de preparação tem gente assim? Que garantias concretas de um real bom desempenho do cargo pode oferecer? Como queremos, nesta conformidade, que a classe política seja considerada e respeitada como merece?
Ora, V. que tem a paciência de me ler, faça um pequeno esforço e interiorize a ideia de que é um quadro bem remunerado – ao nível das boas empresas privadas, mesmo portuguesas – e igualmente bem mordomiado. Em semelhantes circunstâncias, dispunha-se a tudo largar para se ir meter nos escusos corredores da política, tal como a praticada em Portugal, apenas pelo fogo fátuo de narcisismo pouco inteligente? Ora, pense bem no assunto. E mais: pense no que lhe diria a família mais chegada, mulher e filhos, se, não obstante os contras que encontrasse, persistisse na peregrina ideia de seguir em frente?
Por outro lado, a preocupação com a dificuldade em apear os “dinossauros” apenas pode provocar risada. Enorme, descontrolada e certamente esganiçada risada. É que essa é a mais falaciosa das falácias... Na verdade, é perfeitamente entendível que qualquer “dinossauro” – que não significa incompetente ou corrupto ou incapaz, é preciso que se esclareça, por via das dúvidas – apenas o será enquanto o eleitorado quiser. E o eleitorado, em democracia, não é burro nem limitado, nem sequer constrangido. Afirmações desse teor feitas por pretendentes preteridos apenas se destinam a mascarar incapacidades próprias. Quem duvida disto não acredita nas virtudes da democracia e, então, é melhor dizê-lo frontalmente, sem perífrases, circunlóquios.
Faça-se, pois, o que se deve fazer, e acabe-se, de uma vez por todas, com canhestros sofismas, que apenas enleiam cidadãos incapazes de um simples e escorreito juízo crítico. Sim, digo bem, incapazes. Mas somente até que se lhes explique o que deve ser explicado, com um mínimo de seriedade e desejo de tudo deixar no são. Porque de burros nada têm. Queiram os iluminados que assim seja ou não queiram. Coisas da democracia!...
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O Prof. David Justino, que não me canso de ler, aborda, no 4R-Quarta República, a questão da limitação dos mandatos políticos. Trata-se de assunto que me suscita grande interesse, porque muito sobre o assunto se tem dito, a maior parte das vezes, sem os cuidados e clareza necessários. Que não é o caso de D. Justino, diga-se em abono da verdade.
Estive para lhe responder lá mesmo. Atendendo, porém, a que se trata de comentário extenso, entendi por bem trazê-lo para os meus domínios, assim não abusando da paciência com que ali tenho sido acolhido. Não evitarei, contudo, a referência ao inspirador deste post nem deixarei de nele inserir o link adequado e necessário. Cortesias a que se obriga quem vive em sociedade e assim gosta de continuar.
A limitação dos mandatos políticos parece-me – sem pretender melindrar seja quem for, questão verdadeiramente bizantina. Sou radicalmente contra a sua mera enunciação.
O argumento do caciquismo e da corrupção são, quanto a mim, ambos falaciosos, apenas servindo para deitar poeira nos olhos dos incautos… mas apenas dos mais incautos.
Na maior parte dos casos em que se argumenta nesse sentido, faz-se por mera e circunstancial demagogia. Quando, por qualquer motivo – fútil quase de certeza - deixar de ser agradável aos ouvidos de muitos cidadãos incautos e pouco informados ou menos habituados a ler nas entrelinhas, ninguém mais cuidará do assunto, se preocupará em desalojar, por meios coercivo-administrativos quem os eleitores querem que no poder permaneça, seja porque faz trabalho que agrada, seja porque tens olhos azuis ou é engenheiro hidráulico.
Sou da opinião de que, uma vez instalado na cadeira do poder – qualquer que ele seja – um cidadão só de lá deve ser apeado por vontade própria - sem mais ademanes - ou alheia, do eleitorado, desde que expressa, manifestada em votação regular e sem a mácula da batota. Tudo o que não se contenha dentro desta baliza, deixa de corresponder ao espírito democrático que todos dizemos prosseguir.
Mais: nem com a limitação - que actualmente se verifica – dos mandatos presidenciais posso estar de acordo. E sou mesmo a supor que estará comigo, quem tenha vindo a prestar boa atenção aos desempenhos presidenciais dos vários titulares que já pelo cargo passaram. Porque, certamente, terá visto esta coisa singular e perversa – hipócrita mesmo (há que não recear chamar os bois pelos nomes) – de assistir a um primeiro mandato muito cordato e a um segundo completamente desestabilizador e com tendências verdadeiramente assassinas.
Ora, esta situação subverte por completo tudo quanto as boas e piedosas almas constituintes quiseram prevenir.
O que temos visto, invariavelmente visto, com expressão máxima no ex-presidente Soares e boa acentuação no actual, Sampaio, mais não tem sido do que a versão de cada um de uma mesma teoria político-circunstancial de benefício dos correlegionários de cada um. Esta é a verdade nua e crua e tentar tapá-la com o manto diáfano da fantasia, de bacoca fantasia não passa.
Tal como Mário Soares, Jorge Sampaio teve um primeiro mandato cordato, abrangente, que a todos – ou quase – quis satisfazer e foi satisfazendo; tal como Mário Soares, Jorge Sampaio teve um segundo mandato em que desfez tudo quanto antes construíra. Tudo sob forte premeditação.
Cabe, então, perguntar:
- Quando é que um e outro foram verdadeiros, eles próprios, defendendo os interesses gerais do país e não os particulares, da sua facção política?
- E quando é que, por contraposição, optaram pela hipocrisia política, para agradarem a todos, desagradando o menos possível, com os olhos postos na renovação do mandato?
Mais ainda:
- Quando é que o País beneficiou do seu comportamento político-presidencial e quando é que foi altamente prejudicado, num caso e noutro, por terem sido privilegiados os interesses particulares, de facção, e não os gerais, do País?
E não se pense que escrevo isto, estribado na circunstância de se tratar de dois políticos que não são da minha cor. Não. Solenemente o afirmo aqui, para que fique registado, que estou plenamente convicto de que, no caso de Cavaco Silva vir a ser eleito PR, com ele as coisas seguirão por caminho semelhante.
E estou mesmo em crer que tudo será ainda pior, uma vez que entendo que Cavaco, economista que é, primeiro-ministro que foi, político de excepção que ainda se julga, não resistirá à tentação de, de forma continuada, interferir directamente nos aspectos económicos da governação, atrevimento que Soares nesse âmbito não teve, mas apenas porque em Economia e estudo de dossiers sabe-se como as coisas funcionavam…
O que acima fica referido não se passaria, por certo, se não houvesse a tal limitação de mandatos. O titular do cargo na Presidência da República, já não ameaçado de sair no final do segundo mandato, não se sentiria tentado a dificultar a vida ao executivo, por receio de que o eleitorado lhe dificultasse a dele próprio.
Ora, se o que se pretende é melhorar a qualidade da democracia portuguesa, julgo que a medida a tomar não passa pela limitação de qualquer mandato, que isso, no limite, é pura autocracia legal, mas, sim, pela melhoria das condições de remuneração – e não apenas essas – dos diversos titulares de cargos políticos.
É que a qualidade dos pretendentes tem vindo a baixar porque – sejamos claros e, acima de tudo, realistas! – qualquer quadro médio de empresa privada média aufere maior vencimento e mordomias do que um titular de cargo político a qualquer nível, incluindo o Presidente da República.
Nestas condições, não é de causar qualquer tipo de espanto que os melhores - por mais preparados - de entre os portugueses, fujam dos corredores políticos a sete pés, não querendo assumir responsabilidades que não são devidamente recompensadas nem misturar-se com gente que, nada mais sabendo fazer, envereda por uma carreira política, por ter a nítida percepção de que, não dispondo de qualquer experiência de vida concreta - empresarial ou outra - jamais vingaria “cá fora”. E assim se vai deteriorando a classe política e a vida política, o país político que temos, a comunidade portuguesa acantonada no rectângulo e regiões autónomas. Com algumas excepções, apenas confirmativas da regra.
Não é, como bem sabemos, verdade que até mesmo a chefe de governo chegaram pessoas que jamais exerceram uma profissão? Jamais pagaram um salário? Jamais estudaram um relatório e contas, de empresa, por mais modesta que fosse? Jamais olharam um livro “Razão”? Que espécie de preparação tem gente assim? Que garantias concretas de um real bom desempenho do cargo pode oferecer? Como queremos, nesta conformidade, que a classe política seja considerada e respeitada como merece?
Ora, V. que tem a paciência de me ler, faça um pequeno esforço e interiorize a ideia de que é um quadro bem remunerado – ao nível das boas empresas privadas, mesmo portuguesas – e igualmente bem mordomiado. Em semelhantes circunstâncias, dispunha-se a tudo largar para se ir meter nos escusos corredores da política, tal como a praticada em Portugal, apenas pelo fogo fátuo de narcisismo pouco inteligente? Ora, pense bem no assunto. E mais: pense no que lhe diria a família mais chegada, mulher e filhos, se, não obstante os contras que encontrasse, persistisse na peregrina ideia de seguir em frente?
Por outro lado, a preocupação com a dificuldade em apear os “dinossauros” apenas pode provocar risada. Enorme, descontrolada e certamente esganiçada risada. É que essa é a mais falaciosa das falácias... Na verdade, é perfeitamente entendível que qualquer “dinossauro” – que não significa incompetente ou corrupto ou incapaz, é preciso que se esclareça, por via das dúvidas – apenas o será enquanto o eleitorado quiser. E o eleitorado, em democracia, não é burro nem limitado, nem sequer constrangido. Afirmações desse teor feitas por pretendentes preteridos apenas se destinam a mascarar incapacidades próprias. Quem duvida disto não acredita nas virtudes da democracia e, então, é melhor dizê-lo frontalmente, sem perífrases, circunlóquios.
Faça-se, pois, o que se deve fazer, e acabe-se, de uma vez por todas, com canhestros sofismas, que apenas enleiam cidadãos incapazes de um simples e escorreito juízo crítico. Sim, digo bem, incapazes. Mas somente até que se lhes explique o que deve ser explicado, com um mínimo de seriedade e desejo de tudo deixar no são. Porque de burros nada têm. Queiram os iluminados que assim seja ou não queiram. Coisas da democracia!...
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