18. Do excesso de garantismo de defesa em juízo
Alberto Costa, Jornal de Notícias, 31-03-2005
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O senhor ministro sabe bem, como o sabiam todos os antecessores de há, pelo menos, duas décadas para cá, que o problema da Justiça em Portugal e dos seus atrasos e falta de capacidade de resposta, não reside no problema das férias judiciais, nem nos magistrados, judiciais ou do MºPº, nem nos funcionários. Nem nos advogados, enquanto profissionais do foro, a usarem, em proveito dos clientes, os meios que as leis permitem. Daí que a sua frase, acima transcrita, seja perfeitamente inócua e vazia de sentido, que nem sequer consegue induzir em erro mais do que aqueles que acerca dos tribunais e do seu funcionamento jamais tiveram notícia. Isto, se o senhor ministro realmente souber do que está a falar, ainda que fale a despropósito. Se, porém, não souber e estiver convencido do que afirma, então a situação é mais grave. Porque, então, não nos restará qualquer dúvida de que tudo ficará na mesma. Sem remédio.
Dêem a quem é profissional do foro e sem interesses externos aos tribunais, quantas vezes ilegítimos, a capacidade de influenciar o processo legislativo e, aí, sim, acredito que algo de positivo surja.
As gravíssimas dificuldades por que passam os tribunais e os cidadãos que a eles têm que recorrer resultam das absurdas leis processuais que temos.
Provocam, essas disparatadas leis, um excesso de garantismo de defesa absolutamente idiota e só possível em sociedade que ainda não ultrapassou traumas do Estado autoritário que vivemos até há trînta anos atrás, a que se seguiu, em contraponto, um outro estádio não menos traumatizante.
Esse excesso de garantismo - a todos os níveis e em todos os tipos de processos - conduzem a que se possa recorrer de todo e qualquer despacho ou acto judicial, em qualquer altura, com efeitos suspensivos, circunstância que obriga a que os processos párem a sua tramitação normal por espaços de tempo absolutamente incompreensíveis e prolongados. E seria mesmo levado a afirmar - sem receio de desmentido - que, afora um ou outro caso, a esmagadora maioria dos recursos interpostos o são por motivos de mera dilacção de prazos - poderíamos mesmo dizer "chicana judicial" -, quando nada impedia, antes tudo aconselhava que subissem apenas com o recurso da decisão final.
Mas não apenas no que à capacidade de recorrer por tudo e por nada se refere.
As leis processuais estão prenhes de verdadeiras incongruências que apenas servem para arrastar a tramitação dos casos levados a juízo. Poderia aqui elencar inúmeros exemplos. Todas as pessoas que, de uma forma ou de outra, alguma vez estiveram ligadas aos tribunais o sabem, Não é, pois, segredo para ninguém. Menos ainda o deverá ser, é evidente, para os senhores ministros. Este e os que o antecederam. E outros responsáveis. Que os há.
Tudo o que se fizer na "tentativa" de melhorar a situação e não tenha presente esta realidade de trinta anos - e vontade de a combater -, não passará de mera cosmética, para enganar tolos e deixar tudo na mesma.
Porquê? Por razão simples.
Para que se compreenda melhor toda a envolvência, é preciso que se pense que, qualquer processo a correr termos em tribunal pressupõe um conflito de interesses. E, nesse conflito de interesses, inclui-se, a partir do momento em que se recorre ao tribunal, o apressar do andamento do processo em contraposição com o do seu protelamento. Facilmente se perceberá, deste modo, que, se a lei, em lugar de pôr tudo no são, oferecer a quem defende excesso de garantias de defesa (que é disso que se trata), torna-se inevitável o arrastamento do calvário judicial. E é preciso não esquecer que, quem hoje pretende que o processo ande célere, amanhã estará na barra contrária, convindo-lhe, então, que o processo se arraste. Pelo que a coisa toca a todos. E lá estamos no ciclo vicioso que tudo vicia de há décadas a esta parte, sem que apareça quem, liberto de pressões e teias, lhe ponha termo de uma vez por todas, com o objectivo único de servir o todo da sociedade e não apenas parcelas mais ou menos corporativistas e prenhes de poder dessa mesma sociedade.
A duração do tempo das férias judiciais não passa de questão de pura demagogia. Em saldo, para mais. E a ver vamos, algum tempo depois de terem sido reduzidas, se o vierem a ser... Vamos ver que vai ficar pior, porque deixará de existir o tempo que agora é aproveitado para pôr em ordem coisas que a azáfama, balbúrdia mesmo, do dia-a-adia não permite.
Espero ter-me feito entender.
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