Sunday, April 23, 2006

38. A petição ( II )

resposta a Pedro Roque e Fernando
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.......continuação de A petição ( I )


Desde logo, os faltosos (e aqui o termo faltosos refere-se à generalidade das faltas e não apenas às que resultam de não se estar presente nos actos a que se deve comparecer);

Depois, todos os que, embora não faltosos, são coniventes com aqueles e, por comodismo ou mero dolce far niente, vão permitindo que as coisas se arrastem, sem que tomem uma iniciativa que, demarcando-os, os honre;

Finalmente, todos quantos fazem do parlamento um órgão altamente incompetente, reconhecidamente desprestigiado e, por conseguinte, francamente admoestável.

Para se aquilatar disso mesmo será bastante que se rememore tudo o que tem acontecido ao longo de tantos anos, desde as tristemente célebres viagens ditas parlamentares (atitudes sempre de condenar vivamente, mas, se levadas a cabo por altos representantes do Estado Português, mais indesculpáveis serão), como a auto-atribuição de regalias especiais em leis ad hominem (que não são de criticar se a elas se fizer jus), com a deficientíssima produção legislativa (a que nem os governos escapam, também), com normas absurdas, que nem ao diabo lembraram, mas lembraram aos nossos conscripti patres, de tal modo que, frequentemente, algumas semanas, por vezes dias, após a entrada em vigor, têm que ser alteradas de urgência (o que qualquer observador atento ao Diário da República, terá já ex abundante constatado), isto para não falar na incompetência linguística de quem vem redigindo tais leis, que frequentemente são impróprias para que se dêem a ler a qualquer aluno do ensino secundário, não vá ale desaprender o que tão laboriosamente os mestres lhe vão metendo no bestunto, lá na escola, à viva força, quantas vezes.

Mesmo correndo o risco de me tornar demasiadamente longo, seja-me permitido apontar aqui um caso particular e extremamente evidente de incompetência aliada à pouca vontade de acertar.

É sabido que existem em Portugal, ao nível de eleições políticas do Estado central, das regiões autónomas, das autarquias locais, do parlamento europeu, enfim, seis processos eleitorais e um equivalente, ou seja, eleição do presidente da república, da assembleia da república, das assembleias legislativas dos Açores e da Madeira, das autarquias locais, do parlamento europeu e o referendo nacional. Para regulamentarem a realização destes actos existem sete leis, ou seja, uma por cada um dos actos.

Pois bem. Os processos de cada um destes actos são muito similares e, nas leis que os regulam, haverá, num total de cerca de 200 artigos por lei, uma correspondência integral em, pelo menos, 140 a 150.

Em qualquer país civilizado, esta circunstância teria dado lugar a um Código Eleitoral, aplicável a todos os casos, que muito simplificaria as coisas, não apenas para o cidadão comum, como para todos os intervenientes nos processos. Acontece, porém, que esta situação se mantém inalterada e não se vê que se dê qualquer passo no sentido de remediar algo que é completamente abstruso, mantendo-se que um esquema altamente destituído de senso, com uma tremenda falta de unidade, ao sabor da sanha mais ou menos “independentista” de cada um. E estou a dar de barato, a estulta e desleixada transcrição, de lei para lei, de normas rigorosamente iguais, com o cortejo de incongruências a que isso dá lugar. Uma salsada à portuguesa, melhor diríamos. Melhor ainda: uma salsada à legislador português.

Aqui, não funciona apenas a incompetência. Há também a pouca vontade de melhorar. E, para além disso, quantos mais interesses não confessados?

Apenas mais outro caso, ainda mais elucidativo: o dos tribunais, que tanto têm estado na berra, por mau funcionamento da justiça.

Culpam-se juízes, culpam-se magistrados do Ministério Público, culpam-se funcionários judiciais, culpam-se polícias, culpam-se tutti quanti. Só não se culpa o verdadeiro responsável, o legislador. O famigerado legislador. Que é, sabe-se, o maior, o quase único dos culpados. Porquê? Porque legisla de forma assaz deficiente, como já atrás foi referido ou porque, simplesmente, não legisla.

Fala-se por aí na falta de meios nos tribunais. Alardeia-se que o acervo de magistrados e de funcionários não é suficiente, invocam-se mil e uma razões para justificar o injustificável. E o que é o injustificável? Que as coisas se mantenham como estão porque o famigerado legislador não mexe, como tem obrigação de fazer, nas leis processuais portuguesas, que estão completamente desfasados do tempo que vivemos e precisam de aggiornamento urgente.

Sem isso, nada feito. E cá andamos todos a, como diz o povo, "encanar a perna à rã", a engrolar, e, no caso do ministro da justiça, a entender que há férias a mais nos tribunais. Como se tal fosse possível e não apenas afirmação nem minimamente sopesada, como tantas outras que por aí se ouvem, a esmo!...

Pois bem, a reforma das leis processuais portuguesas não se faz. E pergunta-se: não serão a Assembleia da República e os seus deputados, quem está investido do papel de legislador-mor do reino? Então, por que não cumpre o seu dever? Seria um trabalho digno e altamente valioso. Por que não, então?

Responda quem souber, que eu talvez saiba mas não quero responder. Limitar-me-ei a afirmar uma verdade dura como punho fechado, como as de La Palisse: nos tribunais dirimem-se conflitos. Logo, sempre que qualquer processo entra em juízo, é certo e sabido que há, no mínimo, duas partes em confronto, defendendo cada qual os seus interesses. A parte que entra com o processo e a parte que vai defender-se do que a outra a acusa.

Ora, havendo interesses antagónicos e confronto, lógico será que uma puxe para a frente, ou seja, no sentido de que a questão seja julgada rapidamente, e a outra para trás, isto é, que a litigância se arraste ad aeternum tanto quanto possível, porque enquanto o pau vai e vem, folgam as costas.

Acontece, porém, que as leis processuais pecam por excesso de garantismo, isto é, protegem desmesuradamente quem “defende”, digamos assim, e trama quem “ataca”, digamos assim também. O resultado de tudo isto é que os processos se arrastam e os tribunais se atulham.

Nestas condições, nem com cem mil magistrados e outros cem mil funcionários, mais cem mil polícias, a que podem ser acrescidos cem mil milhões de euros aos orçamentos anuais, a coisa vai. Porque um prazo de quinze dias poderá não ser – e não será – um prazo de quinze dias (porque, ridiculamente, se descontam sábados, domingos, feriados e férias…) mas é sempre um prazo e peremptório, pelo que não é encurtável e, assim sendo, nem um milhão de juízes, ainda que reunidos em conclave e assanhados, poderá resolver uma coisa destas a contento da sanidade mental dos cidadãos.

Mas, perguntar-me-á: se assim é, por que não se trata de aligeirar as leis, ainda que sem descuido das garantias mínimas de defesa? Por motivo simples: é que, quem hoje se incomoda com o atraso do processo que instaurou para que o seu devedor lhe pague, situar-se-á amanhã na posição contrária e, desse modo, já lhe interessará o oposto do que hoje lhe convém…

Ora, quando as coisas assim se processam, quem é que deve intervir, no sentido de pôr tudo no são? O legislador, evidentemente. Mas é aqui que esbarramos no muro habitual. A incompetência e a pouca vontade de algo de útil fazer, por parte do legislador, que prefere andar faltoso, por aí na reinação.

Todas estas razões – e foram apenas algumas, muitíssimo poucas para o número infindável que existe, como é comummente sabido – ilustram bem a ineficiência, mesmo retinta incompetência do parlamento que temos.

Mas há outra ainda a acrescer ao rol do descrédito do parlamento. Dessa, ter-se-á apercebido já - tristemente apercebido - quem tenha tido a oportunidade de assistir a debates em outros parlamentos, que não os portugueses. A título de exemplo, carrearei para aqui o do Congreso de los Diputados, dos nossos vizinhos. Por muito difícil e duro que seja o debate, processa-se dentro dos limites da decência comportamental e civilizacional. No hemiciclo de S. Bento, é o que se sabe. Não se vê que os nossos parlamentares, descontadas as diferenças ideológicas, saibam manter o nível da discussão em moldes civilizados. Aquilo que em Espanha é uma troca de pontos de vista entre gente com cultura própria e que não abdica de um certo nível de sociabilização, entre nós redunda frequentemente em autênticas peixeiradas de muito mau gosto, pior odor e ruído de feira.

Para aqueles que, como o Amigo Fernando, de Viana do Castelo, aconselham a que “não se misture tudo por favor”, sempre direi que não serei eu, não seremos nós, cidadãos comuns que cá fora sofremos as investidas de incompetência e arrogância dos políticos portugueses, por muito que o pudéssemos tentar, quem mistura seja o que for.

E não o fazemos não apenas porque não dispomos de meios para tal, já que esses meios estão todos – infelizmente estão todos – em mãos incompetentes, mas igualmente porque o que nós, Amigo, mais desejamos é que tudo isso desapareça de uma vez por todas, porque se trata de uma excrescência putrefacta e nauseabunda, porque a sua persistência causa gravíssimo dano à democracia portuguesa e, acima da democracia, o que é mais importante, aos Portugueses e a Portugal.

Ninguém quer o lugar de ninguém; ninguém quer desalojar seja quem for. O que todos queremos, sim, é que cada político cumpra o seu dever mais linear – sem arrogâncias, sem tergiversações e embustes, sem wise-guyism, enfim – como cada simples cidadão vulgar de Lineu deve cumprir o que lhe está cometido. Tão somente isto. Será pedir muito? Mas… para a política vai alguém levado à força, contrariado? E que o fosse!...

Fernando

Ninguém, caro vianense Fernando, pretende baralhar a opinião pública com ataques desabridos a todos os deputados. Nem sequer a apenas alguns deputados. Queremos apenas e tão só que os deputados cumpram o seu dever e, os que os cumprirem, se abstenham de se mostrar coniventes com os que o não fazem.

Há que separar o trigo do joio. Até porque a quem a carapuça não serve, não deve tentar enfiá-la. Qualquer pessoa de bom senso, competente, respeitadora das leis legitimas e cumpridora dos deveres que lhe estão cometidos, não deve deixar que se a confunda com quem o não faz. Se, porém, permite, por acção ou omissão, que tal aconteça, então só terá o que merece, por bom rapazismo pouco avisado ou laxismo criminoso.

Não há, caro Fernando, direitas nem esquerdas populistas em causa. E, muito menos, que pretendam desprestigiar a democracia, porque, como já disse atrás, quem detém esse poder são apenas e tão só os próprios deputados. Cumpram eles os seus impostergáveis deveres e jamais a democracia correrá o menor dos riscos.

Mesmo que em todo o processo haja qualquer direita ou qualquer esquerda de raiz anti-democrática - e eu entendo que não – nem uma nem outra conseguirão destroçar a democracia se os defensores desta, colocados em postos chave, como é o parlamento, o não permirem.

Estas, meu Amigo, são verdades que custam talvez um pouco a ouvir, mas vai sendo tempo de alguém as dizer, para que, amanhã, não se diga que ninguém as disse. Fiz-me entender, presumo.

Concordo consigo. Não é de fora que as coisas se resolvem. Talvez que fosse bom que fizesse esse reparo às estruturas partidárias que todos os poderes têm nas mãos, exercendo-o quantas vezes de modo pouco condizente com a condição de que se reclamam.

E, então, eu que ainda agora, no parágrafo de cima, concordava consigo, passo já a discordar. É que, se a partidocracia tudo embota, nada de bom faz e tudo impede, nem sequer possibilita que as cliques se revezem, então apenas nos resta dar voz à nossa indignação e, pelos meios que, felizmente, hoje temos à disposição, apresentarmos as nossas razões, ao menos para que constem.

É que, Amigo vianense, estamos fartos de imolações em que somos nós o cordeiro da Páscoa, quedo e indefeso, incapaz mesmo de se queixar. Você, Amigo, não está? Sorte a sua; desdita a nossa.

Quanto ao bota-abaixismo, trata-se de uma questão de interpretação. A sua é essa, está no direito de a ter e manifestar e não serei eu, social-democrata por formação, humanista por dedicação, que lho negarei. Creio que, sobre o tema, disse já tudo o que tinha para dizer.

No entanto, sempre acrescentarei, para fechar, que não misturo as coisas. Imagine até, meu caro, que o que pretendo é mesmo isso, que não se misture o que de misturar nãp é, ou seja, quem cumpre e quem não cumpre, quem é competente e quem o não é, quem está sempre no seu local de trabalho, quando necessário, e quem ilegitimamente o não está. Repetidamente. Por ausência física ou intelectual.

* * *

Os meus cumprimentos a ambos, Pedro Roque e Fernando. E apareçam sempre. Será um gosto tê-los como comentadores, concordantes ou não…

37. A petição ( I )

Resposta a Pedro Roque e Fernando...

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Pedro Roque, meu confrade social-democrata de Almada, detentor do blog Revolução Tranquila, e Fernando, “bloquista” de Viana do Castelo, responsável pelo blog A hora que há-de vir, conferiram-me a distinção de comentarem neste meu blog a entrada Petição.
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Em resumo e substância, disseram:
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Pedro Roque

1. Há na petição um grave equívoco, já que se peticiona que presidente da república e primeiro ministro admoestem deputados, verdadeira aberração (o termo é meu), já que todos fazem parte de órgãos de soberania, com igual hierarquia;

2. É perigosa “esta” (aspas nossas) cruzada anti-parlamentar, já que o parlamento constitui a essência da democracia em que queremos viver e a alternativa é um sujeito de bigode, autoritário, que eliminará todas as vozes discordantes;

3. Não se confunda (nós, os que assinamos a petição e estamos enfronhados na tal cruzada anti-parlamentar) a nuvem com Juno.

Fernando

1. Embora ache lamentável e inadmissivel a ausência de deputados que registaram a presença e se pisgaram, entende indecente que se baralhe a opinião pública com ataques desabridos "a todos os deputados";

2. Que é isso mesmo (a baralhação da opinião pública) que pretende a direita populista, com o intuito de desprestigiar a democracia;

3. A democracia representativa – de que é adepto – estará muito necessitada de aperfeiçoamento, mas não é de fora que as coisas se resolvem e com “bocas” (terminologia do comentário);

4. Bota-abaixismo é que não, de forma nenhuma e que não se misture tudo, por favor.

A minha resposta para ambos

Cumpre-me começar por agradecer os cordatos comentários de ambos. Não apenas pelo respectivo valor intrínseco, como também porque me proporcionam excelente oportunidade para elencar algumas das razões que me levam a um desgosto profundo pela situação em que as coisas estão em Portugal, cujas responsabilidades atribuo, não apenas, é certo, mas em esmagadora percentagem, ao poder político, aos diversos poderes políticos que até à situação presente nos têm desgovernado – excepção feita a curtos períodos de esperança, infelizmente logo desenganada – e trazem amarrados a vil tristeza milhões de portugueses cujo único anseio será o de ter o “direito” de viver um pouco melhor, anseio que não parece desmedido nem intransigente se tivermos em conta o que se passa com países que, ainda há poucos anos atrás, estavam em pior situação do que nós e já nos ultrapassaram para, pelos vistos, nunca mais por nós serem alcançados.

Essas minhas razões serão apresentadas à medida que a resposta a ambos for transcorrendo.

Vamos, pois, apreciar:
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Pedro Roque

Concordo consigo, caro Pedro Roque, quando refere o equívoco que enforma a petição. Na verdade, não é possível que presidente da república e primeiro-ministro, ambos titulares de órgãos de soberania, admoestem titulares de outro órgão de soberania, como são os deputados. E menos ainda consideraremos a possibilidade de tal admoestação se tivermos em conta que os deputados são detentores de um mandato de representação política obtido em sufrágio popular, directo e universal.

Outro tanto, porém, não direi dos políticos, secretários-gerais ou presidentes dos partidos em questão que, esses, sim, têm o indeclinável dever de o fazer.
Poderiam, talvez da tarefa ser isentados se o sistema eleitoral fosse outro, que, por exemplo, contemplasse a existência de mandatos por círculos uninominais. Nesta circunstância, claro que os deputados seriam mais responsabilizados perante o eleitorado do que como acontece com o sistema actual que, como é bem sabido, dilui de forma abstrusa, a responsabilidade do deputado na do partido, a quem o deputado deve total obediência se quiser manter o lugarzinho que tem.
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Claro que a responsabilidade individual do deputado não se dilui por completo na da estrutura partidária, mas a situação presta-se a inúmeros equívocos e sabe-se como é uso esgrimir-se tal “dificuldade” – a lealdade e obediência aos ditames dos senhores que comandam o partido… – para se fugir à seringa, digamos assim. Já todos demos para esse peditório e cada vez temos menos vontade de dar porque é bem verdade que até os mais destituídos de inteligência, lá acabam por aprender alguma coisa, quando muito apertados no torno de interesses que não são os da comunidade.

E quanto à necessidade de, cega e acriticamente, ter de se obedecer aos ditames partidocráticos, sob pena das mais duras penas e autoritarismos, apenas lhe digo que, pessoalmente, muito aprendi – com outros, aliás – acerca do assunto, em 1989, reinava então Aníbal Cavaco Silva, no país por si próprio, e no partido, por interposto Manuel Dias Loureiro.

Creio que, quanto a esta parte, estamos entendidos, não concorda?

Tenho que dizer-lhe, com toda a abertura de espírito, que, não sendo o autor da petição, se o tivesse sido ela apresentaria outro tipo de formulação e redacção. Para ser completamente sincero, dir-lhe-ei mesmo que entendo haver, na sua formulação actual, algo de naïf que dificilmente compagina com o que efectivamente se pretende e igualmente com a postura que se quer evidenciar.

No entanto, talvez que esse defeito lhe confira maior autenticidade, a autenticidade das coisas simples, espontâneas, resultantes muito mais da sincera e justa indignação de quem lhe redige os termos, do que uma explanação mais elaborada, talvez alicerçada em interesses políticos escusos, menos sinceros e justos, por algo de menos próprio nos bastidores a sustentar. Trata-se de um ponto a favor da petição tal como se apresenta, pelos vistos não premeditada, e que deve ser ponderado por quem a pretenda denegrir.

Assim, caro confrade, embora a formulasse baseado em outros fundamentos e terminologia, não tive qualquer hesitação em a subscrever como está.

E fi-lo pelos motivos atrás expostos, mas também pelo grande mérito que ela revela, mérito que consiste em ter-se tido iniciativa em prol de algo em que se acredita e contra algo que se abjura, em vez de se ficar em casa ou nas tertúlias de café, a bramar contra tudo e todos, sem nada fazer, esperando que outros façam aquilo que nós, por comodismo suicidário, não queremos fazer.

Peço que me desculpe por discordar de si quanto àquilo que afirma tratar-se de uma cruzada anti-parlamentar. É que, segundo o meu ponto de vista, não existe qualquer cruzada. Não há razão para chamar papão onde o não há. O que existe, isso sim, é a vontade, cada vez mais generalizada, de agitar as águas, no sentido de obrigar a que algo se mude, para que não seja necessário que, mais dia menos dia, haja que proceder a mudança incomensuravelmente mais radical. É, mais do que uma pedrada no charco para agitar as águas paradas e podres, uma pedrada no charco para chamar à razão quem parece dela afastado e sem perspectiva e já nem sequer dá sinais de que tenta recuperá-la.

Diz-nos a História dos homens, que, se qualquer sociedade, posta perante sucessivos ataques à sua honorabilidade, à sua integridade moral, não reage, dia virá em que se verificará ser tarde demais e, para que as coisas tomem o rumo certo, haverá então que lançar mão de meios muito mais gravosos do que aqueles a que vamos assistindo. Ainda que fazendo uso de um exemplo um tanto forçado, permita-me que lhe relembre as cedências de Chamberlain e aquilo que, quase diria criminosamente, permitiram que viesse a acontecer. Não convém nada que sejamos avestruzes. Menos ainda idiotas chapados.

Não há, pois, meu caro confrade, qualquer cruzada anti-parlamentar. E, se alguém insistir que a há, talvez eu seja forçado a admiti-lo, isto é, que a há mesmo, mas partindo do seio dos próprios parlamentares. Como é isso? perguntar-me-á. Responderei que é impossível que haja maior cruzada anti-parlamentar do que a que resulta da circunstância de os deputados não cumprirem os deveres dos cargos em que estão investidos, com isso causando todo o mal estar conhecido. Daí é que tudo resulta, Amigo. É daí, por causa disso, que aparecem então os tais homenzinhos de bigode pequenino e apalhaçado e penteado ridículo, berrando desalmadamente.

Portanto, o melhor que temos a fazer, é cada qual assumir as respectivas responsabilidades. Se um deputado não cumpre o que lhe é legal e legitimamente exigido, quem é que estará em cruzada contra ele? Ele com a sua atitude irresponsável ou eu que o apostrofo precisamente por tal circunstância? Não iludamos as questões porque, fazendo-o, apenas estamos a iludir a nós próprios.
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Quanto a não tomarmos a nuvem por Juno, a frase continua, tantos anos após a sua inicial formulação, a ser literariamente interessante. No entanto, no caso presente, como em tantos outros, não será talvez aplicável.

É que, caro Pedro Roque, nesta circunstância a nuvem é mesmo Juno. E é-o porque ninguém no hemiciclo está isento de graves responsabilidades.

A saber:
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.Continua em A petição - resposta a Pedro Roque e Fernando (II)


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